domingo, 10 de novembro de 2013

Matéria Vinculada na Tribuna do Norte hoje


Estiagem faz ressurgir ‘São Rafael’

Sara Vasconcelos
Repórter

Olhos desavisados veem apenas ruínas em meio as águas da Barragem Armando Ribeiro Gonçalves que contrastam com a paisagem seca e castigada. Mas poucos minutos de conversa com ex-moradores e logo todos os espaços da antiga São Rafael são habitados e, milimetricamente, reconstruídos por lembranças. Em 1983, a cidade distante 216 quilômetros de Natal cedeu espaço para a construção do maior reservatório do Estado e a promessa de “progresso”. Cerca de 3,5 mil pessoas foram relocadas para a nova São Rafael, construída 3 quilômetros acima pelo Departamento Nacional de Obras conta as secas (Dnocs). 

Trinta anos depois e a pior estiagem nesse período, ruínas da “Atlântida do Sertão”, como ficou conhecida a cidade submersa, vem à tona ao passo em que as águas baixam. Estruturas que permaneciam apenas na memória, como as cruzes e o muro do antigo cemitério, reaparecem e se somam ao que restou da torre da Igreja, que tombou em 2010, e demais escombros da cidade. O progresso, por sua vez, observa o historiador Djalmir Arcanjo “deve ter naufragado nas águas da barragem”.

O reservatório , que abastece 22 municípios do Baixo Açu, está com apenas 38% da capacidade máxima de 2,4 bilhões de metros cúbicos – 916,5 milhões de m3 – o mais baixo desde que foi criado, de acordo com dados da Semarh. 

Às margens da barragem, restam os alicerces da Estação de Trem que trafegava entre Assu, Mossoró e cidades vizinhas e do Hotel São Rafael que derivou do alojamento militar. Além de escombros da Prefeitura, Posto de Saúde, duas escolas e Telern, os tanques de água que abasteciam à baldes as caixas d’água dos casarões e prédios públicos - sinal de status à época - também permanecem no local. 

O piso da quadra de esportes, a praça e coreto onde aconteciam os festas e eventos sociais, preservam as tintas. “Aqui aconteciam as festas tradicionais, como da padroeira Nossa Senhora da Conceição. A última, em 1981, entrou para a história dos são-rafaelenses com direito a música de despedida”, lembra a Maria da Conceição da Silva Teixeira, de 60 anos, conhecida como “Ceição de Dudu”. 

Ela e o pai, o agricultor Antônio da Silva Teixeira, de 93 anos, retornaram a cidade velha após 30 anos. “É a primeira vez que desço até aqui”, disse. Enquanto aponta a localização exata sob as águas, o sertanejo relembra o dia em que deixaram para trás a casa número 33 na esquina da Rua Manoel Tomaz Pinheiro - a uma rua do leito do rio e a duas atrás da Igreja-matriz.

Magnus NascimentoAntônio da Silva, de 93 anos,retornou com a família após 30 anos


Os são-rafaelenses frisam que não tiveram escolha a não ser mudar para as novas casas, construídas pelo Dnocs, ou para longe dali. Em cima de paus de arara e dividindo a carroceria com móveis e alguns animais, as famílias eram transportadas. “Abandonamos a plantação e fomos jogados em taboleiro que não presta para plantar e vendemos os animais quase de graça, porque não tinha espaço nas novas casas. Ficou pior”, acrescenta Antônio Teixeira.

“Tinha que sair porque as casas seriam derrubadas. O caminhão chegou, colocamos tudo em cima, deixamos para trás nossa história”, lembra Conceição, com lágrimas nos olhos. 



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Não há como saber o número de famílias que deixou a cidade a partir da década de 1980. O ex-garimpeiro Isaías Leopoldino, de 72 anos, regressou somente em 2005 e vive em uma barraca à beira da barragem. “Viajei para São Paulo e outros estados para trabalhar na busca do ouro, aqui não tinha mais e continua sem ter jeito”, diz ele em referência ao desemprego. 

A agricultura e pecuária bovina e caprina foram “à força” substituídas pela pesca. A atividade algodoeira, a exploração de cheelita e mármore, os engenhos de cana de açúcar, casas de farinha, carnaubais também sucumbiram a inundação. Atualmente, a economia da cidade de 8,2 mil habitantes sobrevive da pesca e serviço público.

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