O Brasil tem à frente o enorme desafio de melhorar seu ensino público, mas, para isso, precisa resolver uma questão primordial: a valorização de seus mestres. Os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), divulgados no final de 2013, mostraram que os países com melhor desempenho na educação são aqueles que fazem a carreira docente atrativa aos mais talentosos jovens que saem do ensino médio. Não é o nosso caso. No Brasil, apesar de alguns avanços, os salários ainda são baixos em comparação com as demais ocupações universitárias, poucos jovens cogitam seguir a carreira docente e, nos últimos anos, menos se formam em cursos de licenciatura.
Um levantamento feito pelo GLOBO nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, mostra que professores tiveram, desde 1995, aumento médio na renda superior aos demais profissionais com ensino superior. Mesmo assim, em 2012, um professor do primeiro ciclo do ensino fundamental (que dá aulas para crianças de 6 a 10 anos) recebia, em média, somente 57% do registrado entre profissionais também com nível superior. Entre docentes do ensino médio, esta proporção aumenta para 70%. Em 1995, esses percentuais eram, respectivamente, de 39% e 51%.
A baixa remuneração, além de desmotivar os próprios professores, é um dos fatores que leva muitos jovens a descartar de seus planos a carreira em salas de aula. Uma pesquisa feita pela UniCarioca com exclusividade para O GLOBO mostra que apenas 20% dos alunos do ensino médio do Rio que pretendem ingressar no ensino superior manifestam algum interesse pelo magistério. Eles são, em comparação com os que planejam outras carreiras, jovens de menor renda e que estudaram, principalmente, em escolas públicas.
Se na entrada do sistema está difícil atrair jovens para os cursos de magistério, dados do Censo do Ensino Superior, do Ministério da Educação, mostram que há também um problema recente na saída das universidades. A quantidade de estudantes concluindo faculdades de licenciatura em disciplinas do ensino básico, que na década passada teve aumento de 63%, registrou queda de 16% de 2010 a 2012. O mesmo movimento é percebido quando se analisa as matrículas: depois de aumentarem 60% na década passada, caíram 4% nos últimos três anos da pesquisa.
Se a queda do número de licenciaturas se confirmar ao longo dos anos, a tendência pode dificultar o cumprimento de uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), em tramitação na Câmara dos Deputados, que estipula que todos os professores do país tenham formação com licenciatura até 2024.
Mas como explicar a aceleração das licenciaturas até 2010, e depois freada brusca? O coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, prefere uma saída econômica. Segundo ele, na última década, o Brasil viveu um dos maiores crescimentos de sua História, com inclusão de renda, e consequentemente, de crescimento da parcela da população à educação superior. Com uma economia mais complexa, surgem outras oportunidades de trabalho mais atrativas.
Para Cara, este cenário precisa ser revertido urgentemente, já que o país precisaria de 1,5 milhão a dois milhões de novos professores até 2023, segundo seus cálculos, para cumprir metas de inclusão no ensino médio e de educação integral do PNE:
— A partir de 2010 nós temos a solidificação do momento de boa avaliação econômica brasileira. Com isso, boa parte dos jovens acaba considerando que há outras oportunidades no mercado de trabalho que não a de docente. E a situação é alarmante porque, com as metas do PNE, vamos precisar de um número muito maior de professores na próxima década.
Mas o desinteresse pelo magistério é mais sentido por umas disciplinas do que por outras. Em alguns cursos, sequer houve declínio de licenciaturas. É o caso das Humanas (História, Geografia, Filosofia e Sociologia). De 2011 para 2012, o número de concluintes do grupo subiu 1%.
Já a área de Exatas (Matemática, Física, Química e Biologia) teve 13% a menos de formandos no mesmo período. E o drama para essas disciplinas é ainda maior se forem observados o período de 2010 para 2012, onde houve queda de 14% dos concluintes em Física, 13% em Biologia, 10% em Química e 21% em Matemática.
Não por acaso, essas matérias foram alvo do programa “Quero ser cientista, quero ser professor”, lançado em setembro pelo Ministério da Educação (MEC), que prevê a concessão de bolsas de R$ 150 a cerca de 100 mil alunos do ensino médio que manifestem vocação para a docência. Além da gratificação, os aspirantes a professor terão orientação de professores da escola onde estudam e de estudantes universitários de cursos de licenciatura.
Para o presidente do Inep, Luis Cláudio Costa, o programa é a principal aposta do governo federal para a valorização do professor. No entanto, Costa reconhece a dificuldade da tarefa:
— Não adianta, o estudante, a família e a sociedade procuram a carreira que é valorizada socialmente. Temos muitos jovens vocacionados para o ensino, que seriam excelentes professores, mas que estão procurando outras carreiras porque percebem que o magistério não é valorizado. É um desafio nosso, como ministério, fazer essa valorização.
Em algumas universidades do país, o desinteresse é visível em sala de aula. No Departamento de Matemática da Uerj, por exemplo, o segundo semestre de 2012 teve 100 alunos ingressantes, 16 formandos, e nada menos que 84 debandaram do curso. E essa proporção se repete em períodos letivos anteriores.
Testemunha da evasão na área de Exatas é a coordenadora do curso de graduação em Matemática da UFRJ, Márcia Fusaro. Segundo ela, nos últimos dois anos, muitos de seus alunos têm optado por trocar de curso, migrando geralmente para as Engenharias, ou simplesmente se contentando com o bacharelado. A cada ano, em média, seu departamento recebe cerca de 90 novos alunos, e forma outros 20:
— Temos uma evasão muito grande na Licenciatura. Eles mudam ao longo do percurso para outros cursos. A verdade é que Matemática não é um curso fácil, e muitos pensam que vão encarar um curso difícil para depois não obter o retorno do esforço intelectual. Portanto, a mudança de curso acaba sendo natural: o aluno que entra é jovem, e tem tempo para perceber que não era isso que ele queria. Se não houver a compatibilidade dos salários da docência com o mercado privado, realmente vamos perder profissionais que seriam excelentes professores — diz Márcia.
Pedagogia no sentido oposto
A queda em cursos de licenciatura não é verificada em outra área da educação: a Pedagogia. De 2002 a 2012, houve crescimento contínuo de 136% no número de matrículas, e 125% no de concluintes. Entretanto, diferentemente da licenciatura, o diploma de pedagogo só habilita o profissional a dar aulas nos primeiros anos do ensino fundamental.
Neste caso, no entanto, especialistas alertam que o crescimento da Pedagogia não necessariamente significa maior interesse pela educação. Mesmo ressaltando que ainda não há estudos que correlacionem a evolução dos cursos de graduação em Pedagogia e de licenciaturas, a pesquisadora em Educação da USP, Paula Louzano, cita a hipótese de que muitos usariam o título de pedagogo apenas como meio mais fácil de acesso ao ensino superior. Se confirmada essa tendência, a pesquisadora aponta que então o problema não seria necessariamente a falta de educadores, mas, sim, entender em quais setores profissionais estes pedagogos estariam atuando:
— A pergunta é se eles escolhem ou são escolhidos, se eles vão para carreira por falta de opção ou se eles querem mesmo. Talvez seja mais fácil passar para Pedagogia, que é menos especializado, do que numa Engenharia ou em Medicina, por exemplo. E a chance de eles conseguirem emprego em outras áreas é maior em Pedagogia do que em licenciatura. Então será que já temos muita gente formada que não está exercendo? Se for isso, a solução seria políticas de atratividade para a carreira, como salários, e não de formação.
O Globo
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