domingo, 12 de janeiro de 2014

Poema da noite


Quarto escuro
Calos Drummond
  de Andrade
Por que este nome, ao sol? Tudo escurece 
de súbito na casa. Estou sem olhos. 
Aqui decerto guardam-se guardados 
sem forma, sem sentido. É quarto feito 
pensadamente para me intrigar. 
O que nele se põe assume outra matéria 
e nunca mais regressa ao que era antes. 
Eu mesmo, se transponho 
o umbral enigmático, 
fico a ser, de mim desconhecido. 
Sou coisa inanimada, bicho preso 
em jaula de esquecer, que se afastou 
de movimento e fome. Esta pesada 
cobertura de sombra nega o tato, 
o olfato, o ouvido. Exalo-me. Enoiteço. 
O quarto escuro em mim habita. Sou 
o quarto escuro. Sem lucarna. 
Sem óculo. Os antigos 
condenam-me a esta forma de castigo.

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