sexta-feira, 5 de novembro de 2010

artigo

Os adjetivos inúteis

 Uma das peculiaridades do Brasil, além da inevitável jaboticaba, é que aqui nem o governo e nem a oposição sabem exatamente o que significa ser oposição, e qual o seu verdadeiro papel institucional num regime democrático.
A “soi disant” oposição, formada basicamente pelo PSDB,o DEM e o PPS, passou quatro e depois mais quatro anos brincando de esconde-esconde com as suas próprias convicções, se é que tinha algumas, e até mesmo com as suas próprias realizações,como se se envergonhasse de ter eliminado a inflação, de ter privatizado velhos e ineficientes elefantes brancos, de ter saneado o sistema bancário, de ter estabelecido regras civilizadas de responsabilidade fiscal- enfim, de ter plantado as sementes de uma estabilidade econômica sólida e sustentável e com ela os fundamentos para a modernização do País.
Deixando-se acuar covardemente pela avassaladora popularidade do presidente da República, a oposição, nas duas tentativas que fez de substitui-lo no governo, se acomodou à agenda que interessava a ele e ao seu partido, de tal forma que, em 2006, seu candidato, Geraldo Alckmin, não se constrangeu em usar um macacão cheio de logotipos de estatais para mostrar que não pretendia privatizá-las, e na tentativa deste ano, José Serra chegou a ensaiar um anódino pós-lulismo, colocando a imagem do presidente em seu horário eleitoral.Além disso, encaixou o golpe da propaganda governista que transformou as concessões de exploração de petróleo em privatizações, e acabou tentando devolver ao governo a acusação de “privatizador”, transformando esquizofrenicamente uma virtude em pecado.
Essa é a parte que cabe à oposição.
No que diz respeito ao governo, o presidente Lula não se cansou de maltratar a oposição durante a campanha eleitoral, chegando quase a lhe negar a legitimidade, ao chamá-la de “turma do contra”, ao pedir a “extirpação” de um dos partidos que a compõem, e a chamar o futuro governador eleito de São Paulo de “aquele sujeito”,entre outras delicadezas.
No dia em que a presidente eleita,ao lado dele, deu a sua primeira entrevista coletiva – por sinal tranqüila, ponderada e civilizada, muito longe dos arranques quase apopléticos da campanha eleitoral- Lula não perdeu a chance de reiterar a sua estranha forma de encarar o papel da oposição numa democracia.Ele pediu para ela um tratamento melhor daquele que deram a ele durante os oitos anos de seu governo.Pela estranha noção de democracia do presidente, considerando aquilo que de fato aconteceu durante os oito anos,só a unanimidade lhe serve.
“Contra mim,não tem problema, podem continuar raivosos, do jeito que sempre foram.Mas a partir de 1º de janeiro, que eles olhassem um pouco mais para o Brasil, que eles torcessem para que o Brasil desse certo”.Além de ser uma acusação sobre cuja gravidade o presidente parece não ter refletido- dizer que a oposição torce para o Brasil dar errado é uma figura de retórica irresponsável e desmedida, como foram muitas das falas do presidente ao longo dos oito anos-é muito irônico que venham da boca do patrono de um partido que votou contra rigorosamente todas as propostas que colocaram o País nos trilhos, desde o Plano Real até o Proer, sem falar da recusa em votar em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral na eleição que marcou o fim da ditadura, e em homologar a Constituição de 1988.
O Brasil tem muito a aprender para chegar à plenitude da democracia, até que um presidente deixe de chamar a oposição de “raivosa” e que um dos mais destacados líderes dessa oposição, o vitorioso senador eleito Aécio Neves, deixe de prometer uma “oposição responsável e generosa”.
Uma democracia de verdade não precisa ser condicionada por adjetivos inúteis.

Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez..

Nenhum comentário:

Postar um comentário