terça-feira, 8 de dezembro de 2009

CORRUPÇÃO SISTÊMATICA?


Onde entra a questão da confiança nessa simetria?

É muito mais fácil no Brasil você confiar num vizinho do que em qualquer instituição ou membro do poder público. Quando a confiança se estabelece entre o cidadão e o político, ela se dá por meio de relações clientelistas, não institucionais. Isso porque as relações pessoais funcionam. O político só se torna alguém de confiança quando ele me faz um favor pessoal, quando ele funciona como alguém da minha esfera pessoal. Quem me representa politicamente nas instâncias de poder, neste eu não confio.

Em suas entrevistas com parlamentares, quais eram seus discursos sobre corrupção?

Na época do impeachment do Collor, eu me plantei no Congresso e falei com muitos parlamentares sobre suas explicações para a corrupção. Diziam que o problema era o povo brasileiro. Criaram metáforas como "todo povo tem o governo que merece". Eles atribuíam o problema a um "outro" generalizado, distanciando-se pessoalmente do problema. Quando eu os questionei sobre os seus papeis individuais nesse cenário, eles se colocaram como vítimas da corrupção, e não parte do processo. Ironicamente, muitos dos entrevistados, anos depois, foram acusados de corrupção.

Como esses escândalos afetam a imagem do Brasil?

Afetam muito. O Brasil está com uma imagem muito positiva no exterior, impulsionada, principalmente, pelo crescimento econômico. Mas cada escândalo representa um retrocesso. Isso impede a consolidação da imagem de um Brasil adulto. Porque fica a imagem do Brasil que precisa consolidar sua democracia, lidar com a desigualdade social e enfrentar a violência. [Já] Com a Copa e a Olimpíada, a questão da criminalidade preocupa muito mais do que a corrupção.

É possível relacionar corrupção com a criminalidade da rua?

A corrupção é um crime. E o problema do crime, do desvio, na vida pública brasileira sempre foi muito relacionado com essa nossa dificuldade em consolidar uma vida pública democrática, que respondesse aos anseios e às necessidades da população. A criminalidade é uma patologia social que tem origem, de certa forma, nas desigualdades da nossa sociedade. A psicologia clássica descreve a relação do criminoso com o espaço público exatamente como eu estava descrevendo a relação do político que rouba com a esfera pública: ausência de investimento no coletivo, no social. A dinâmica do psicopata é de não sentir culpa, não se sentir responsável. E essa dinâmica é muito semelhante à da corrupção na esfera política.

A corrupção sistêmica coloca em risco a democracia no país?

O risco histórico da democracia brasileira, o da ação militar, me parece distante. Mas esses eventos comprometem a consolidação da democracia. Numa democracia consolidada, o cidadão enxerga o espaço público como de ninguém, porque de todos. Numa democracia não consolidada, o espaço público é de ninguém sem ser de todos; portanto ele pode ser meu no que diz respeito aos meus interesses particulares. E isso é corrupção.

(Entrevista publicada na Folha de S. Paulo em 07/12/2009)

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